O LINHA 8 preparou uma cobertura especial com uma série de reportagens para lembrar um ano do covarde assassinato da liderança popular e ex-vereador Zezinho. Conversamos com mais de trinta pessoas que nos ajudaram com fotos, histórias e memórias que também acabam por contar parte da história da cidade de Jandira e da região oeste, pela ótica da luta social e das conquistas populares.
Vamos abordar os trabalhos e os questionamentos sobre a investigação em curso para encontrar os responsáveis do crime. Nos deparamos com muitas pessoas que almejam justiça e ainda têm esperança na realização de um julgamento e na punição dos responsáveis.
Desde o final dos anos oitenta Zezinho teve grande participação na vida da cidade. Deixou um enorme legado social e um belo exemplo de compromisso com os mais pobres e de responsabilidade com a coisa pública.
A perseguição e a violência contra lideranças populares, defensores de direitos humanos e pessoas que denunciam corrupção é uma marca do Brasil que desde os tempos imemoriais nos persegue, da qual ainda não conseguimos nos livrar.
O metalúrgico da capital de São Paulo, Santo Dias.
O líder seringueiro, sindicalista e amigo da floresta amazônica, Chico Mendes.
A prefeita e sem-terra Dorcelina Folador, de Mundo Novo, Mato Grosso do Sul.
A lutadora do morro e voz das favelas na câmara carioca, Marielle Franco.
O vereador, formado na igreja e no PT da periferia de Jandira, Zezinho.
Pagaram com a vida por suas escolhas, por estarem do lado mais fraco e por enfrentarem interesses poderosos. Mas deixaram inspiração aos que trilham a perigosa marcha da luta social no Brasil.
Ao Zezinho, em sua memória.
PARTE 1
Os repórteres estavam com as câmeras e os microfones ligados e tentaram ouvir alguma declaração, mas não era possível. Ele se emocionou e começou a chorar em frente as câmeras. As únicas palavras que conseguiu dizer foram: “Calaram a voz dele, calaram a voz do futuro da nossa cidade.” Ele repetiu a frase por duas vezes. Depois se afastou, ouvindo os pêsames dos repórteres. Quem eles queriam ouvir era o vereador Fabio Betera do PT, também irmão de Zezinho. Ainda impactado com a notícia conseguiu resumir o sentimento da maioria das pessoas naquele estranho dia.
Muitos sonhos foram interrompidos e o futuro de uma cidade havia sido roubado.
Luz amarela.
Há exatamente um ano, o ex vereador Zezinho era assassinado na frente de sua casa em Jandira, grande São Paulo. Marcada por diversos casos de violência política e assassinatos de prefeitos e figuras públicas, nos últimos anos a cidade também viu crescer a pobreza, a violência e a presença do crime organizado.
Histórico militante do movimento social e com ativa atuação no Partido dos Trabalhadores desde o final dos anos 80, Zezinho foi vítima de uma emboscada covarde que calou a sua voz e ampliou a sensação de medo e insegurança que se torna cada vez mais presente no município.
O caso ainda se encontra na fase inicial de investigações, recentemente assumidas pelo Departamento Estadual de Homicídios e de Proteção à Pessoa da Polícia Civil de São Paulo (DHPP) após pressão da família e da bancada de deputados estaduais do PT. A lentidão e a falta de prioridade devem alertar os que desejam a punição dos responsáveis.
Passado um ano, a investigação entra numa fase crucial. Agora, somente com pressão de autoridades, parlamentares e da sociedade civil será capaz de evitar que mais um capítulo tão doloroso e injusto siga o caminho da impunidade e do esquecimento.
Um país dividido.
Como fazia nos últimos trinta anos, a cada biênio, ele entrou de cabeça na eleição de 2022. Foi candidato a Deputado Federal e teve 8.854 votos. Jandira sempre foi o palco da sua atuação política e até quando saia da cidade geralmente era para tratar assuntos referentes a ela. Na tarde de 28 de Outubro, na rua de sua casa, onde morou toda a vida Zezinho foi surpreendido por um carro em movimento que o alvejou com diversos tiros, de forma covarde sem chance de defesa. Era encerrada de maneira trágica a vida da mais importante liderança popular da região.
O Brasil estava tenso e ansioso.
Faltavam apenas 48 horas para o segundo turno da eleição mais sui generis da história do país. Relatos de violência política, agressões e sabotagens que poderiam conturbar ainda mais o processo eleitoral se multiplicavam. Como era objetivo de muitos, separar a mentira da realidade estava difícil. A apreensão dominava os dois lados em disputa.
Os apoiadores do então presidente Bolsonaro estavam elétricos, assustados e fazendo planos, como eles dizem, fora das quatro linhas. Do outro lado, os que estavam na sexta campanha presidencial de Lula, sabiam que estava em jogo não uma eleição, mas sim a garantia daquilo que generosamente chamamos de democracia, ou ao menos os seus fiapos.
Zezinho estava desse lado, aliás sempre esteve.
Quando chegou a notícia da sua morte foi difícil acreditar. Primeiro veio o desejo de se tratar de mais uma fake news, que seria desmentida nos próximos minutos. Seria melhor que a realidade fosse mentira. Mas não foi. Em seguida éramos levados a inevitável associação com mais um violento episódio eleitoral – dos diversos – que ocorreram ao longo do ano de 2022. Os mais precavidos pediam calma e o aguardo por mais informações. Não demorou para aparecer as imagens da execução.
Marcas.
Zezinho é o vereador mais votado da história de Jandira, cargo que exerceu por 4 legislaturas. Suas histórias são conhecidas pela cidade. Sempre denunciou os ilícitos do poder local. Contratos fraudulentos do sistema de transporte ou desvios na área da saúde. Ele não conhecia limites quando o assunto era trazer recursos e programas de outras esferas para a população mais carente. Tinha verdadeira obsessão em construir o hospital municipal, em um lugar extremamente carente e com serviços públicos precários.
O advogado e ex-deputado federal Luiz Eduardo Greenhalgh, companheiro e amigo desde o final dos anos 80, sugeriu a seguinte definição: “O Zezinho era o Suplicy de Jandira.” E realmente há muitas semelhanças. Não por acaso os dois também tiveram grandes laços políticos desde os tempos que Suplicy era senador e com muita frequência visitava a cidade para receber demandas sociais dos moradores e organizações da cidade.
Entre as muitas pessoas que o acompanharam e foram importantes nos seus primeiros passos estão o Padre João Carlos Pacchin, Paulinho Bururu primeiro vereador do PT na cidade e também o amigo de escola desde o ensino fundamental Julio Eduardo Lima, o Julinho. Além, é claro, de todos que participavam do grupo de jovens da igreja católica e e da Pastoral da Juventude, período sempre recordado por Zezinho com muito carinho.
Reginaldo Camilo dos Santos, nasceu em 20 de março de 1971. Morou por 50 anos na mesma casa. Eram em 12 irmãos, seis homens e seis mulheres. Sua mãe Maria Camila da Hora Santos nasceu em 29 de Julho de 1934, está com 89 anos. Trabalhadora doméstica na maior parte da sua vida, educou e cuidou praticamente sozinha de todos os filhos. Reginaldo sempre falava dela com admiração, respeito e emoção.
Essa é a primeira reportagem do Especial Linha 8 | Um sonho interrompido.
Nos próximos dias seguiremos com reportagens sobre as investigações do caso, depoimentos de amigos e familiares e os anos iniciais da sua participação política.
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