Em entrevista para o Linha 8, Secretário Nacional de Periferias faz um balanço do primeiro ano e fala sobre a importância estratégica da pasta para o país.
O desafio não é simples: reerguer a pauta da urbanização de favelas, investimentos em periferias e fortalecer canais de participação social. Pautas que foram devastadas nos governos de Michel Temer (PMDB) e Jair Bolsonaro (PL).
No final de 2022, por exemplo, o governo Bolsonaro deixou reservado no orçamento apenas R$ 25 mil para tragédias e desastres naturais, o que foi alertado pela equipe de transição.
Guilherme Simões, Secretário Nacional de Periferias, conversou com exclusividade com o Linha 8. Ele comanda o órgão criado na atual gestão do Presidente Luis Inácio Lula da Silva (PT), vinculado ao Ministério das Cidades.
Simões tem 38 anos e muita clareza das dificuldades: “tenho orgulho de participar desse governo. Para mim é um desafio imenso essa tarefa porque pobre e preto não pode errar nesse país, não temos esse direito que outros privilegiados têm.” Mas também tem consciência que os obstáculos precisam ser enfrentados, pois o assunto tem dimensão estratégica.
“É um desafio imenso essa tarefa porque
pobre e preto não podem errar nesse país, não
temos esse direito. Apenas quem
já tem privilégios, tem direito de errar.”
Guilherme Simões
Sociólogo, nasceu no Grajaú extremo sul da capital paulista, militante do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) e estudante de universidade pública, ele não tem dúvidas: “as periferias urbanas são a única possibilidade para as mudanças estruturais e agendas do futuro darem certo. A pauta antirracista; as agendas climáticas; o combate às desigualdades e uma política digna de segurança pública.”
A Secretaria Nacional de Periferias tem duas responsabilidades: A primeira é a urbanização de favelas, incluindo a regularização fundiária, melhorias habitacionais e obras de infraestrutura. A segunda é fazer obras de contenção de encostas, de prevenção de riscos e desastres relacionados as encostas. Para isso, terá um orçamento de R$ 17 bilhões de reais somados ao longo do mandato, sendo que R$ 12 bilhões já estão garantidos e R$ 6,5 bilhões já foram anunciados esse ano.
O programa que abarca a maioria das ações da Secretaria é o Periferia Viva. Seu foco de atuação são famílias e territórios em piores condições de vida e moradia. São cerca de 10 milhões de domicílios ou 36,1 milhões de pessoas. Essas iniciativas estão dentro Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), já estão previstas obras em mais de 120 cidades e envolvem 20 ministérios ao todo.
A Secretaria do Ministério da Cidade já se reuniu com 90 territórios. O Prêmio Periferia Viva recebeu 1.600 inscrições de iniciativas territoriais protagonizadas por grupos periféricos, foram 58 iniciativas premiadas. Em dezembro foi divulgada a primeira versão do Mapa das Periferias que é um instrumento vivo e georreferenciado para orientar o governo nessa área.
“O Mapa das Periferias é uma plataforma para consolidar dados já existentes sobre territórios mais vulneráveis e ações de coletivos e organizações. Vai ajudar o governo a trabalhar de forma integrada e em diálogo direto com as comunidades ao planejar políticas públicas”
Guilherme Simões
Guilherme Simões esteve por anos à frente um movimento social que fazia firmes negociações com distintos governos. Era obrigado a encontrar soluções concretas para diversas demandas sociais. Essa experiência é, com certeza, um trunfo da Secretaria Nacional de Periferias.
Confira abaixo os principais trechos da conversa exclusiva que o Linha 8 teve com o Secretário Guilherme Simões.
PERIFERIA E AGENDAS DO FUTURO
“Eu olho para as periferias urbanas do Brasil como a única possibilidade de construirmos transformações estruturais, de baixo para cima. Maria Carolina de Jesus usou a imagem do quarto de despejo. Tudo que a cidade não quer ver, não gosta e quer esconder é colocado nesse lugar. Ou seja, as favelas e periferias são o quarto de despejo das cidades e da nossa história. Mas temos que entender que estamos falando das maiorias sociais. Tem surgido, ao longo dos anos, identidades e representatividades periféricas que são muito fortes. As pessoas não estão mais aceitando serem negadas, serem invisíveis ou serem apenas perseguidas. Todas as principais agendas do futuro no nosso país estão relacionadas as periferias: a pauta antirracista; as agendas climáticas; o combate as desigualdades, uma agenda digna de segurança pública. Todos esses temas estão diretamente relacionados as periferias brasileiras. Não há outro caminho. É preciso entrar no quarto de despejo, organizá-lo e trazê-lo para dentro da casa. Isso significa dizer que favelas e periferias precisam ser tratadas como cidade. Os agentes coletivos organizados precisam ser tratados como protagonistas.”
“Tudo que a cidade não quer ver ela esconde no quarto de despejo. É preciso entrar nesse quarto, organizá-lo e trazê-lo para dentro da casa. Isso significa dizer que favelas e periferias precisam ser tratadas como cidade.”
Guilherme Simões
UMA DEMANDA HISTÓRICA
“A Secretaria Nacional de Periferias é uma estrutura nova dentro do Ministérios das Cidades. Foi criada assim que o presidente Lula venceu as eleições, atendendo a uma demanda histórica dos movimentos sociais urbanos e dos formuladores de política urbana. A Secretaria tem duas atribuições centrais. Primeiro, a urbanização de favelas, incluindo a regularização fundiária, melhorias habitacionais e obras de infraestrutura. A segunda atribuição tratará de obras de contenção de encostas, de prevenção de riscos e desastres relacionados as encostas. Das milhões de pessoas que vivem em áreas de risco, a maioria está nas periferias, em favelas e em comunidades sem infraestrutura. Quanto mais o tempo passa sem investimento público essas áreas vão se ampliando e junto, infelizmente, temos visto a frequência de desastres aumentarem a cada ano.”
INVESTIMENTOS
“Para o próximo período estão previstos investimento vultuosos em várias áreas que contemplam territórios mais vulneráveis. Nós esperamos que tanto prefeituras quanto governos estaduais trabalhem para viabilizar a concretização dessas obras. A Secretaria de Periferias tem uma previsão para o próximo ciclo de investimentos em torno de R$ 17 bilhões, que contemplam urbanização e prevenção de riscos. Para novas obras vamos ter em torno de R$ 7 bilhões desse montante, todas essas iniciativas compõem o Programa de Aceleração do Crescimento, o PAC. Nós sabemos o tamanho do problema, que demanda grandes aportes, e que o investimento está estagnado por anos. Mas nós saímos quase literalmente do zero, não havia o que seguir da gestão anterior. É um importante momento para a reconstrução do país.”
PARTICIPAÇÃO E CARAVANAS
“Em pleno século XXI e depois de tudo que vivemos, não podemos cair no erro – nem de pensar – em construir políticas públicas sem dialogar com o povo. Não é mais possível desconsiderar o que as lideranças dos territórios estão produzindo, seria um erro histórico. A caravana de diálogos com as periferias nos ajuda a entender essa realidade. O primeiro objetivo das Caravanas é mostrar que o governo tem um espaço de diálogo. Queremos andar mais, porém, nesse primeiro ano visitamos 90 territórios de 20 cidades do país. Um reflexo positivo desse processo foram as inscrições do prêmio Periferia Viva. Ao todo, 1.600 iniciativas inscritas de todos Estados. O objetivo foi conversar e conhecer as lideranças de perto. Nós somos responsáveis por obras e fomos acompanhar e explicar para as comunidades essas intervenções públicas e pactuar diretamente com os territórios.”
MAPA DAS PERIFERIAS
“Será uma plataforma que vai organizar todas as iniciativas do programa Periferia Viva. Em diálogo com parceiros como o IBGE [Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística], vamos consolidar informações e dados já existentes sobre as periferias e territórios mais vulneráveis do país. A meta é incluir na base oficial de dados do governo federal as ações dos agentes e grupos coletivos que estão nos territórios. Queremos abrir mais a esplanada dos ministérios para a periferia e ajudar o governo trabalhar de forma integrada para combater as vulnerabilidades. Essas informações serão usadas pelos ministérios com o objetivo de auxiliar o diálogo direto com as comunidades ao se planejar políticas públicas. Portanto, não é apenas um instrumento geográfico, mas um mapa vivo, de pessoas e coletivos que já atuam nas localidades. Queremos consolidar e cruzar iniciativas sociais e estatísticas oficiais. Vai aperfeiçoar a participação e a elaboração das políticas. Também será um mapa das potencialidades coletivas das periferias brasileiras.”
PRETO NÃO PODE ERRAR!
“É preciso fazer uma escolha quando falamos em investimento público. O papel dessa Secretaria é garantir recursos e um olhar para a periferia. Tenho muito orgulho de participar desse governo. O Presidente Lula já revolucionou a realidade das periferias nos dois primeiros governos. Para mim é um desafio imenso essa tarefa porque pobre e preto não pode errar nesse país, não temos esse direito. Apenas quem já tem privilégios, tem direito de errar. Há muitos olhos voltados para nosso trabalho, mas sinto que temos acertado muito. Formamos uma equipe extraordinária e pronta para os desafios de 2024.”
AGENDA CLIMÁTICA
“Temos uma agenda de emergência climática para compartilhar com o mundo e precisamos dialogar com todos sobre algo que o presidente Lula tem incorporado bastante em seus discursos: agenda climática no Brasil passa por combater as desigualdades sociais, não há outro caminho. O caminho da Alemanha, da França e de outros países europeus não é o mesmo que o nosso. É necessário priorizar o combate as diversas desigualdades para a que as pautas climáticas sejam incorporadas com sucesso nas políticas públicas brasileiras.”
PANDEMIA E MOVIMENTOS SOCIAIS
“Nós voltamos para o Mapa da Fome durante o último governo. E quem colaborou no combate a esse quadro durante o período de pandemia, quando a fome se agravou foram as lideranças periféricas, os coletivos urbanos e os movimentos sociais. Tem uma ação muito significativa que são as ‘Cozinhas Solidárias’, surgidas a partir das experiências de distribuição de refeições e cestas básicas. Depois se transformaram em equipamentos arraigados nos territórios, que servem alimentação, mas também são usados para socialização através da educação, formação popular, acolhimento, lazer e ponto de encontro em territórios muito carentes.”
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