Os riscos da pandemia para a mulher vão além da covid

Apenas entre março e abril de 2020 os casos de feminicídio aumentaram 22,2%, de acordo com pesquisa realizada junto aos órgãos de segurança de 12 estados do Brasil.

Por Marilu Rodrigues

Passado mais de um ano de pandemia, sabemos que as medidas de distanciamento social trouxeram à tona diversos aspectos relacionados às desigualdades que perpassam nossas vidas. Enquanto o vírus se alastrava e os países adotavam o isolamento obrigatório, um outro pesadelo começava a tomar forma: os impactos negativos na vida das mulheres dessa nova realidade.

Em especial as mulheres mais pobres, afetadas de diversas maneiras como: perda da renda, falta de creches e escolas, impossibilidade de adotar medidas de distanciamento social e o aumento da violência doméstica.

Home Office: O excesso de tarefas domésticas, o cuidado com os filhos, o Home Office, e a discrepante e desigual divisão de tarefas nas atividades de casa, impuseram uma pesada rotina às mulheres durante a pandemia. Foto: Francielle Caetano/Arquivo PMPA

Vamos começar pelo excesso de tarefas domésticas, marca do nosso machismo estrutural que tenta naturalizar e ensinar garotas desde muito pequena a lavar a louça após as refeições, por exemplo, enquanto os filhos homens são dispensados de tais atividades. É discrepante o tempo dedicado por homens e mulheres às atividades de casa. A nova realidade com as aulas on-line impôs uma pesada divisão do tempo entre trabalho home-office, afazeres do lar e auxiliar os estudos das crianças.

“A paralisação das aulas presenciais e a permanência das crianças em casa provocou um aumento de afazeres e cuidados para as mulheres. A dupla jornada, tornou-se tripla e sem pausa para descanso o que provoca excessos, esgotamento físico e mental.”

 

Mas os problemas não param aqui. Com o isolamento, os casos de violência doméstica e feminicídio tiveram alta em todo mundo. A mulher trancada em casa tendo que conviver com o agressor virou ambiente propício de terror. As denúncias no disque 180 aumentaram cerca de 40% conforme levantamento feito em junho/2020, segundo dados do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMDH).

Apenas entre março e abril de 2020 os casos de feminicídio aumentaram 22,2%, de acordo com pesquisa realizada junto aos órgãos de segurança de 12 estados do Brasil. Em relação aos homicídios de mulheres se destacam as regiões Norte e Nordeste, onde três estados apresentaram crescimento acima de 80%: Rondônia (255%), Tocantins (143%) e Ceará (89%). Em relação ao feminicídio, Acre e Pará se destacaram com um aumento de 167% e 112%, respectivamente.


“Mesmo antes da pandemia, a violência contra as mulheres já era uma das grandes violações de direitos humanos ocorridas no País. Relatório da Human Rights Watch (ACEBES, 2017), mostra que caminhamos para ocupar o assustador primeiro lugar no ranking global de violência doméstica e familiar.”

 

Para auxiliar mulheres em situação de violência, vários meios foram criados, como: botão de alerta em aplicativo de compras e o X vermelho nas palmas das mãos como forma de denúncia silenciosa, entre outras. Um meio bastante eficiente e inovador foi o grupo de Whatsapp criado por mulheres de diversas profissões como advogadas, sociólogas e psicólogas. Ele funciona como uma assistente virtual que, por meio de um chatbot, que é programa de computador que tenta simular um ser humano na conversa com as pessoas, oferece uma forma silenciosa de as mulheres pedirem ajuda e receberem orientações dentro de suas próprias casas, despistando assim os agressores. O número disponibilizado para ajudar mulheres de todo o país é o Whatsapp (11) 944942415.

Muitas mulheres não têm segurança financeira para abandonar seus lares, e esse é um dos principais motivos que as fazem permanecer no ambiente hostil. Sem acolhimento familiar e sem renda, elas se submetem a viver uma vida de violência e riscos permanentes.

Além dos fatores acima citados, há outro preocupante: O desemprego. As mulheres são responsáveis pela renda familiar em quase metade das casas dos brasileiros e são 51,8% da população do Brasil. Dos 897,2 mil trabalhadores\as que perderam o emprego de março a setembro de 2020, durante a pandemia, 588,5 mil eram mulheres, ou seja, 65,6% entre as demissões, segundo dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), publicado pelo governo federal.

“O acúmulo de funções, a carga mental invisível, a violência doméstica e de gênero, o descarte no mercado de trabalho são produtos históricos da cultura patriarcal e machista na qual nos encontramos. Se não tivermos o cuidado de dividir o horário de trabalho e outras funções da vida doméstica, a sobrecarga emocional pode causar danos irreversíveis a saúde física e mental das mulheres”.

Esse cenário de agravamento das condições de vida das mulheres será um dos grandes desafios colocados pela Pandemia e a reversão dessa realidade exigirá um conjunto de políticas públicas robustas e a pressão da sociedade, que não poderá aceitar retrocessos tão graves que ameaçam conquistas históricas na luta pela igualdade de gênero.

Marilu Rodrigues
Cientista política, professora, feminista, progressista e entusiasta por um mundo socialmente mais justo e igualitário.
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6 COMENTÁRIOS

  1. Perfeito Marilu. A pandemia esgarçou, escancarou mais ainda opressões e desigualdades históricas e estruturais. O pior é a “naturalização” de todas elas. O pior é o acobertamento do que concorre para que elas, as opressões, se perpetuem.

  2. Parabéns pelo texto, Marilu. A realidade nua e crua de tantas mulheres. Se sempre foi difícil ser mulher, nessa pandemia se tornou algo assombroso p tantas de nós. Vou divulgar esse WPP, acho q mtas não sabem, eu mesmo não sabia. Obrigada por ter sido tão cirúrgica!

  3. Infelizmente isso não é ficção é pura realidade do cotidiano feminino, em todas as escalas sociais em especial certamente as mais pobres.
    Excelente trabalho!
    Parabéns…

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