Por Marilu Rodrigues
Passado mais de um ano de pandemia, sabemos que as medidas de distanciamento social trouxeram à tona diversos aspectos relacionados às desigualdades que perpassam nossas vidas. Enquanto o vírus se alastrava e os países adotavam o isolamento obrigatório, um outro pesadelo começava a tomar forma: os impactos negativos na vida das mulheres dessa nova realidade.
Em especial as mulheres mais pobres, afetadas de diversas maneiras como: perda da renda, falta de creches e escolas, impossibilidade de adotar medidas de distanciamento social e o aumento da violência doméstica.
Vamos começar pelo excesso de tarefas domésticas, marca do nosso machismo estrutural que tenta naturalizar e ensinar garotas desde muito pequena a lavar a louça após as refeições, por exemplo, enquanto os filhos homens são dispensados de tais atividades. É discrepante o tempo dedicado por homens e mulheres às atividades de casa. A nova realidade com as aulas on-line impôs uma pesada divisão do tempo entre trabalho home-office, afazeres do lar e auxiliar os estudos das crianças.
“A paralisação das aulas presenciais e a permanência das crianças em casa provocou um aumento de afazeres e cuidados para as mulheres. A dupla jornada, tornou-se tripla e sem pausa para descanso o que provoca excessos, esgotamento físico e mental.”
Mas os problemas não param aqui. Com o isolamento, os casos de violência doméstica e feminicídio tiveram alta em todo mundo. A mulher trancada em casa tendo que conviver com o agressor virou ambiente propício de terror. As denúncias no disque 180 aumentaram cerca de 40% conforme levantamento feito em junho/2020, segundo dados do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMDH).
Apenas entre março e abril de 2020 os casos de feminicídio aumentaram 22,2%, de acordo com pesquisa realizada junto aos órgãos de segurança de 12 estados do Brasil. Em relação aos homicídios de mulheres se destacam as regiões Norte e Nordeste, onde três estados apresentaram crescimento acima de 80%: Rondônia (255%), Tocantins (143%) e Ceará (89%). Em relação ao feminicídio, Acre e Pará se destacaram com um aumento de 167% e 112%, respectivamente.
“Mesmo antes da pandemia, a violência contra as mulheres já era uma das grandes violações de direitos humanos ocorridas no País. Relatório da Human Rights Watch (ACEBES, 2017), mostra que caminhamos para ocupar o assustador primeiro lugar no ranking global de violência doméstica e familiar.”
Para auxiliar mulheres em situação de violência, vários meios foram criados, como: botão de alerta em aplicativo de compras e o X vermelho nas palmas das mãos como forma de denúncia silenciosa, entre outras. Um meio bastante eficiente e inovador foi o grupo de Whatsapp criado por mulheres de diversas profissões como advogadas, sociólogas e psicólogas. Ele funciona como uma assistente virtual que, por meio de um chatbot, que é programa de computador que tenta simular um ser humano na conversa com as pessoas, oferece uma forma silenciosa de as mulheres pedirem ajuda e receberem orientações dentro de suas próprias casas, despistando assim os agressores. O número disponibilizado para ajudar mulheres de todo o país é o Whatsapp (11) 944942415.
Muitas mulheres não têm segurança financeira para abandonar seus lares, e esse é um dos principais motivos que as fazem permanecer no ambiente hostil. Sem acolhimento familiar e sem renda, elas se submetem a viver uma vida de violência e riscos permanentes.
Além dos fatores acima citados, há outro preocupante: O desemprego. As mulheres são responsáveis pela renda familiar em quase metade das casas dos brasileiros e são 51,8% da população do Brasil. Dos 897,2 mil trabalhadores\as que perderam o emprego de março a setembro de 2020, durante a pandemia, 588,5 mil eram mulheres, ou seja, 65,6% entre as demissões, segundo dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), publicado pelo governo federal.
“O acúmulo de funções, a carga mental invisível, a violência doméstica e de gênero, o descarte no mercado de trabalho são produtos históricos da cultura patriarcal e machista na qual nos encontramos. Se não tivermos o cuidado de dividir o horário de trabalho e outras funções da vida doméstica, a sobrecarga emocional pode causar danos irreversíveis a saúde física e mental das mulheres”.
Esse cenário de agravamento das condições de vida das mulheres será um dos grandes desafios colocados pela Pandemia e a reversão dessa realidade exigirá um conjunto de políticas públicas robustas e a pressão da sociedade, que não poderá aceitar retrocessos tão graves que ameaçam conquistas históricas na luta pela igualdade de gênero.
Marilu Rodrigues
Cientista política, professora, feminista, progressista e entusiasta por um mundo socialmente mais justo e igualitário.
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Perfeito Marilu. A pandemia esgarçou, escancarou mais ainda opressões e desigualdades históricas e estruturais. O pior é a “naturalização” de todas elas. O pior é o acobertamento do que concorre para que elas, as opressões, se perpetuem.
Parabéns pelo texto, Marilu. A realidade nua e crua de tantas mulheres. Se sempre foi difícil ser mulher, nessa pandemia se tornou algo assombroso p tantas de nós. Vou divulgar esse WPP, acho q mtas não sabem, eu mesmo não sabia. Obrigada por ter sido tão cirúrgica!
Infelizmente isso não é ficção é pura realidade do cotidiano feminino, em todas as escalas sociais em especial certamente as mais pobres.
Excelente trabalho!
Parabéns…
Excelente texto
Vou divulgar o texto e o WPP que eu desconhecia .
Parabéns 👏🏽
Aqui no Ceará está se tornando banal, isso é muito preocupante precisamos urgente de uma mudança no código penal.
Aqui no Ceará está se tornando banal, é muito preocupante, precisamos urgente de uma mudança no código penal.