Dan Barrett: Morte, suicídio e desconstrucionismo musical

A maioria dos ouvidos não está acostumada com a densidade sonora deste tipo de música, com letras que singularmente parecem focadas na morte e na ideação suicida.

Por Marco Vieira

Hoje faço minha estreia no Linha8. Quando recebi o convite para publicar um texto na coluna Aplausos me veio uma chuva de ideias à cabeça, mas ao mesmo tempo uma série de dúvidas. Pensei em escrever sobre artistas novos, mas decidi falar dos trabalhos que o músico americano Dan Barrett realiza há mais de uma década, (não confundir com o homônimo arranjador de jazz, também americano), ao lado de seu amigo Tim Macuga, pois estes trabalhos estavam na órbita de coisas que ainda ressoavam com frescor na minha memória auditiva.

Dan Barrett e Tim Macuga formaram o Have A Nice Life em 2000, e despretensiosamente começaram a gravar canções lo-fi (alguns chamariam de slowcore por suas batidas lentas e diretamente derivadas do rock alternativo) no melhor estilo DIY (do inglês “do it yourself” ou “faça você mesmo”) e sob camadas densas de distorções.

Legenda: Dan Barrett em foto de divulgação para seu álbum solo. Créditos: Divulgação

Confesso que tomei conhecimento da dupla tardiamente (foi em 2019, quando lançaram o seu terceiro álbum “Sea of Worry”), mas ainda em tempo suficiente para reconhecer a sua urgência e importância, mais pertinente em momentos de pandemia, reflexões e discussões sobre novos meios de produção.

O som da dupla se converteu em uma espécie de post-punk que hora flertava com o shoegaze, com o doom e outros estilos musicais, dificultando até mesmo definir a música deles dentro de algum estilo, apesar dos profusos termos citados acima.

De qualquer forma, esta combinação, tornou-se um sucesso viral entre as comunidades musicais na internet, principalmente após as gravações dessas sessions se transformarem no álbum de estreia, o brilhante “Deathconsciousness” de 2008.

Este álbum ganhou logo uma aura cult, onde a crueza presente nas gravações e a abordagem das letras profundamente angustiantes, demonstram, ainda hoje, ser de difícil digestão. A maioria dos ouvidos não está acostumada com a densidade sonora deste tipo de música, com letras que singularmente parecem focadas na morte e na ideação suicida. Mas foi exatamente esta sonoridade e temas que conectaram a banda a sua base de fãs, proporcionando shows disputados com ingressos esgotados em suas esporádicas apresentações ao vivo.

“A maioria dos ouvidos não está acostumada com a densidade sonora deste tipo de música, com letras que singularmente parecem focadas na morte e na ideação suicida. Foi exatamente esta sonoridade e temas que conectaram a banda a sua base de fãs, proporcionando shows disputados com ingressos esgotados em suas esporádicas apresentações ao vivo.”

Essa dissonância auditiva, porém, é observada também no imaginário de seus fãs e no “culto” criado por estes em volta das letras de Dan Barrett e nas canções de seu primeiro álbum.

Atualmente, ao se observar onde o sucesso dos trabalhos da dupla os levaram, é possível perceber o quão distante e diferente estão seus integrantes deste imaginário sombrio, explicitamente exposto por Barrett em suas letras e músicas, inspirados em suas próprias experiências pessoais no passado. 

As letras das músicas da dupla são dissonantes também de como tocam suas vidas atualmente.

Daniel Barrett e seu filho hoje, realidade distante do passado que inspirou o imaginário sombrio e angusiante contido nos álbuns do Have A Nice Life e Giles Corey.

Tim Macuga, que ainda mantém paralelamente a sua carreira de professor e o estilo de vida bucólico em uma fazenda ao lado da família, está a anos luz do universo de sofrimento e angústia que os fãs se projetam ao ouvir as letras de Barrett, que por sua vez, também divide o seu tempo com a vida em família, cuidando dos filhos e administrando uma empresa que presta serviços de marketing voltado para investidores imobiliários em engajamento de negócios on-line.

Contudo, o passado de Barrett segue assombrando e inspirando seus trabalhos solos, que ele grava sob a alcunha de Giles Corey (nome real de um fazendeiro condenado por bruxaria nos julgamentos das Bruxas de Salem). Ele já lançou um álbum, dois EPs e um disco ao vivo. Giles Corey é uma espécie de versão mais folk, ainda mais intimista e não menos impactante e sombrio dos trabalhos que ele realizava no Have a Nice Life.

Dan Barrett em apresentação ao vivo do Have A Nice Life: shows disputados com ingressos esgotados. Foto: Sean Stout.

Dan Barrett aproveitou e incluiu no lançamento do seu primeiro álbum solo, um livro de 143 páginas. Um complemento e acompanhamento a experiência auditiva de seu álbum solo, o livro, parece uma tentativa de encontrar algum tipo de resposta ou entendimento sobre um determinado momento de sua vida no ano de 2009: durante a primavera, Barrett tentou se matar. “…Estava na cozinha, com uma faca sob o meu peito. Chorava e gritava.”, lembra, confuso e entorpecido em sua experiência, submerso em trevas, viu que por alguns instantes, as sombras que o tragava naquele momento desvaneceram. Foi o suficiente para que ele arremessasse a faca na parede, onde a deixou por semanas. Sentia que a depressão que o abatia naquele momento, lhe expunha uma pergunta: se ele não queria estar vivo, queria ele estar morto? E os questionamentos e buscas a esta resposta se transformaram no que acabou se tornando o álbum solo de Barrett (ou Giles Corey, como preferir).

Apesar das esporádicas apresentações ao vivo e quase não ter cobertura convencional da imprensa, o Have A Nice Life desenvolveu uma legião de seguidores boca a boca, ouvido a ouvido e graças a internet.

Capa do álbum solo de Dan Barrett, lançado sob a alcunha de Giles Corey. Livreto de 143 páginas acompanha trabalho.

O selo que a dupla fundou para lançar de forma independente seus trabalhos, também já lançou outros artistas, e ostenta um manifesto na sua webpage, onde se autodenominam como guerilla art corporation (empresa de arte de guerrilha, em tradução livre), ressaltando o estilo de produção “caseira” que utilizam em seus trabalhos para contrapor ao ideário dos meios de produção das tradicionais gravadoras e selos americanos, que ainda tentam vender a ideia de que artistas iniciantes só poderiam viabilizar seus trabalhos sob a alcunha, ou com o contrato de um selo ou uma gravadora já estabelecida.

A ideia do selo da dupla é justamente subverter este pensamento que limita ou lançam a obscuridade ótimos artistas, apenas pelo fato de não terem a chance de ter uma produção sob a etiqueta e a estrutura de um selo ou gravadora. Para eles, qualquer artista consegue alcançar a mesma excelência de qualidade produzindo músicas próprias com mínimos recursos que poderiam ter ou manter por conta própria em casa. Este é o trabalho que o Have A Nice Life tenta mostrar em seus álbuns, lançando pequenas obras-primas com produções caseiras de pós-punk, sombrias e de mediação sobre morte, perda e amor não correspondido.

Os integrantes, por fim, levaram suas vidas pessoais para uma realidade diferente da presente em seus trabalhos. Prolíferos, a dupla ainda mantém outros projetos paralelos, como o black metal experimental Nahvalr, e Dan Barrett, mantém também um projeto eletrônico solo chamado Black Wing.

Ouça:
“Have a Nice Life”
“Giles Corey”

Marco Vieira
Marco Vieira é produtor editorial, diretor de arte e designer e um grande entusiasta da cultura underground. Foi co-produtor de eventos e escreveu reviews de shows para blogs musicais.
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