Redação | Linha 8 |
O fenômeno não tem uma única causa. Crises econômicas, aumento do custo de vida, falta de política pública e habitacional. Aluguéis caros também tornaram as grandes cidades lugares com alta concentração de moradores de rua. Mas o fato é: em uma década, a população de rua cresceu dez vezes em todo o território nacional. Estamos falando de estatísticas oficiais, portanto, o número real pode ser maior e chegar próximo dos trezentos mil.
Esses dados falam muito sobre o percurso do país na última década. E foi um grande salto para trás.
Agora, o Brasil precisará de ações integradas dos três entes federativos, que tenham um olhar para as dimensões da renda, moradia, saúde, trabalho e proteção social. É uma grande tarefa, e de certa forma, o Estado Brasileiro tem perdido a capacidade de enfrentar problemas com essas dimensões e que exigem superar eventuais divergências políticas.
Nesse ponto reside um grande desafio de Lula nesse mandato.
A extrema direita que teve seu período de carnaval verde-amarelo, deixou um legado nefasto em muitas cidades brasileiras: estimulou ainda mais um verdadeiro ódio aos pobres e às políticas sociais e assistenciais. Essa raiva ganha ares muito violentos quando falamos de população de rua, grupos de sem teto e setores mais vulneráveis.
Escolhemos três cenas que nos ajudam a entender o zig-zag que o país deu nesse assunto nos últimos treze anos. São pequenas fotografias da nossa história que revelam que, apesar das dificuldades, é possível avançar em políticas de inclusão da população de rua e que tornem nossas cidades mais justas e democráticas.
CENA 1
Manhã de 21 de julho de 2010. Lula concede entrevista para a TV Record no Palácio do Planalto. Atrás dele está a bandeira do Brasil e o quadro ‘Cena indígena’ do pintor Giovanni Oppido, obra de 1959. É final de seu segundo governo e ele chora duas vezes na conversa. Ao comentar as críticas de empresários trazidas pela entrevistadora o presidente retruca, afirma que o setor nunca ganhou tanto dinheiro com as obras de seu governo e que ele deixará uma nação menos desigual e com os pobres tendo mais sentido de pertencimento ao país.
Foi as lágrimas ao falar do convênio de R$ 200 milhões assinado entre o BNDES e cooperativas de catadores de papel no Largo do Glicério, região mais pobre do centro de São Paulo. Em seguida, ao lembrar o diálogo com moradores de rua, nova emoção. Ele descreve a conversa: “presidente, a gente não veio aqui pedir nada, a maior conquista é o fato de estarmos dentro do palácio”, lugar que eles jamais pensaram em entrar, completa um Lula em prantos que pausa a entrevista. Pega o lenço, passa no rosto, se recompõe e completa: “acho que estou ficando velho”.
CENA 2
Terça-Feira, 13 de dezembro de 2022, Brasília amanheceu nublada, com ventos fortes e temperatura mínima de 20,0°C . Foi um dezembro chuvoso com volumes de água acima da média e mais frio que o normal. Bolsonaro planeja suas últimas medida. Na noite anterior, uma turba queimou ônibus e carros contra a diplomação de Lula, que fora confirmado mais cedo como o próximo presidente pelo Tribunal Superior Eleitoral. Foi mais um choque de realidade nos assessores próximos do mandatário, que buscavam saídas golpistas para impedir a posse do petista.
Mas a caneta ainda faria maldades e uma aconteceria naquela manhã. O congresso tinha recém-aprovado um projeto proibindo a arquitetura hostil em espaços públicos nas cidades brasileiras. A lei combate o higienismo, carrega o selo dos direitos humanos, tem o nome de um padre progressista e o autor é um senador petista. Intragável para o bolsonarismo. O veto veio sem grandes justificativas. A lei formulada pós-pandemia para proteger os mais vulneráveis ficou sob risco, por três dias. O Senado, em sintonia com o novo governo em transição, derrubou o veto presidencial e reafirmou a lei.
CENA 3
Segunda-feira, 11 de dezembro de 2023. Brasília aguarda mais uma onda de calor, das muitas que o país teve ao longo do ano. Em auditório lotado, no saguão do Palácio do Planalto, acontece o evento que marca o ‘Plano Ruas Visíveis, pelo direito ao futuro da população em situação de rua.’ Autoridades e movimentos sociais celebram o novo marco, fruto da lei que o congresso preservou da caneta de Bolsonaro, um ano antes. O ministro Alexandre de Moraes está presente. Desde a pandemia, o STF decidiu diversas vezes pela proteção da população em situação de rua e também cobrou do Executivo prazos e medidas objetivas sobre o tema.
Lula anuncia investimos de 1 bilhão de reais e uma série de ações que compõem o Plano Ruas Vísiveis. Também presentes, o senador capixaba e petista Fabiano Contarato, autor da matéria, o Ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida e o Padre Julio Lancelloti que dá nome a lei. Lancellotti vai ao microfone e é direto: “Os pobres conseguiram voltar ao palácio e nós te elegemos, presidente Lula, para que você voltando ao planalto nós viéssemos juntos… e o povo da rua estando aqui, não haverá nenhum arranhão no patrimônio público.” Referência a frustrada tentativa de golpe em 8 de janeiro.
Treze anos separam a primeira cena da terceira.
Segundo o IPEA, em 2023 cerca de 68% da população de rua se declara negra, enquanto brancos são 31,%. Mulheres representam 11,6% da faixa adulta. Outro dado revela que 24% não possui certidão de nascimento, nem carteira de trabalho. Também 29% declararam não ter título de eleitor.
Apenas na cidade de São Paulo, cerca de 55 mil pessoas moram nas ruas e no Estado, o mais rico do Brasil, são quase 90 mil.
Esses números, ao final do governo Lula 3 serão um termômetro de avaliação, apesar da responsabilidade ser da União, Estados e Municípios. Dois quesitos estarão em análise. Primeiro, a capacidade de construir uma agenda envolvendo, inclusive, aliados de fora do campo progressista, isolando mais os bolsonaristas. E segundo, conseguir mostrar cidades com referências de políticas sociais integradas e que apresentem uma diminuição sensível dessa população em extrema vulnerabilidade.
O tempo corre.
Pouco mais de dois anos é o prazo para o Governo Federal e Lula apresentarem mudanças ou caminhos seguros que alterem essa triste realidade. É inegável que há uma importante iniciativa lançada, resta saber se será suficiente para mudar esse jogo.
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