Texto: Redação, Linha8
Com a ascensão do streaming, ver e ouvir ficou mais fácil para quem navega pela internet. Há abundante oferta para todos os gostos e estilos. No quesito musical são tantas opções disponíveis que podemos passar mais tempo procurando que propriamente ouvindo.
A partir desta publicação, o Linha8 irá selecionar e sugerir listas sobre com temas da cultura e da arte para ajudar nosso público na “caça” de preciosidade e inauguramos esse série com um compilado de oito álbuns que devem ser ouvidos na íntegra. É um conjunto de obras musicais que narram e carregam consigo grande significado. Vão muito além do faixa a faixa. São ao mesmo tempo crônica, poesia e ritmo, cada qual a sua forma e tempo marcou época. Hoje elas possuem valor histórico, político e cultural. Em alguns casos são relíquias da memória oral e coletiva de um povo.
Esperamos que goste dessa viagem musical.
Plínio Marcos em prosa e samba
Com Geraldo Filme, Zeca da Casa Verde e Toninho Batuqueiro (1974)
Plínio Marcos, poeta, dramaturgo e escritor, junta-se com grandes nomes do samba da pauliceia e nos conta em prosa e verso histórias que misturam personagens e paisagens do cotidiano de São Paulo, atravessado por samba, carnaval e cultura negra. Os mais atentos à geografia da cidade podem fechar os olhos e reconstruir as imagens dos “causos” contados por Plínio Marcos com os três mestres sambistas Geraldo Filme, Zeca da Casa Verde e Toninho Batuqueironessa verdadeira obra-prima.
O disco – obrigatório para quem estuda a cultura e o samba paulistanos – traz os conflitos, alegrias e tristezas da nossa gente, retratada de maneira crua e irônica. A memória do samba de São Paulo passa por esse disco.
“Eu conto história das quebradas do mundaréu.
Lá de onde o vento encosta
o lixo e as pragas botam os ovos.
Falo da gente que sempre pega o pior,
que come da banda podre,
que mora na beira do rio
e quase se afoga toda vez que chove,
que só berra da geral
sem nunca influir no resultado.
Falo dessa gente que transa pelos estreitos,
escamosos e esquisitos caminhos
do roçado do bom Deus.
Falo desse povão,
que apesar de tudo,
é generoso, apaixonado, alegre, esperançoso
e crente numa existência melhor na paz de Oxalá.
Quem quiser saber meu nome,
não precisa nem perguntar.
Eu me chamo Plínio Marcos,
sou pagodeiro do lugar.”
Spotify: https://open.spotify.com/album/1rgmPEWarvGRbzt9XMsUOX
Cantigas de Lampeão. Volta Seca. (1957)
Volta Seca foi o caçula do bando de Lampeão. Se juntou ao cangaço com apenas 11 anos e tornou-se, com o passar do tempo, uma rica fonte sobre o cotidiano dos cangaceiros, ajudando historiadores, cineastas e jornalistas a contarem com detalhes esse fenômeno da história brasileira. Após receber indulto de Getúlio Vargas, no começo dos anos 50, gravou em 1957 o disco que traz as músicas do grupo de Lampeão, contribuindo para conservar no imaginário nacional verdadeiras pérolas da cultura sertaneja e popular. A obra foi gravada sob a direção do maestro Guio de Moraes.
“Pouca gente no Brasil conhecerá um sertanejo baixinho,
simpático e de cara fechada
chamado Antônio dos Santos,
mas todos já ouviram falar
com certeza no famoso Volta Seca.
O mais jovem dos canguaceiros
do bando de Lampeão.
Pois bem, nessa gravação estão fixadas na voz de Volta Seca
e na maior pureza de suas origens
as cantigas do grupo de bandoleiros
que durante tantos anos assolou o sertão nordestino.
Começemos pela madrugada vermelha raindo no acampamento.”
Spotify: https://open.spotify.com/album/1GyY2kxx3N0MM47WUHPFVv
Guitarra Armada. Carlos Mejía Godoy e Luis Enrique Mejía Godoy. (1979)
Mais que um disco, estamos diante de uma peça de guerra na luta contra a ditadura sanguinária que se estendia desde os anos 30 na Nicarágua. Os irmãos Mejía produziram uma das mais radicais obras políticas em forma de música com ‘Guitarra Armada’. Suas canções ensinavam a produzir explosivos contra o exército da ditadura e ao mesmo tempo animavam os combatentes da Frente Sandinista de Libertação Nacional. A transmissão acontecia pela Rádio Sandinista e as músicas são consideradas um manual de combate guerrilheiro e popular. Os temas do álbum passam pelo treinamento militar, o resgate de figuras históricas da resistência e a valorização do papel da mulher na luta revolucionária, além de conter o próprio hino da Unidade Sandinista.
“Mire compañer, la verdad es que no se puede hacer
La revolucion sin la participacion de las mujeres,
en el Ejercito de Sandino:
Maria de Altamirano, Conchita Alday
Y Blanca Arauz.
Y en nuestra Organizacion en el Frente
Sandinista: Luisa Amanda, Maria Castil, Claudia, Arlen, Mildred.”
Spotify: https://open.spotify.com/playlist/489nKpXWV6vcXRSI9aI1pV
O Banquete dos Mendigos. Vários artistas (1974)
O ano era 1973 e o Brasil estava no ápice da ditadura militar. Esse disco é a gravação do show de comemoração dos 25 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, realizado nas barbas dos militares, no dia 10 de dezembro no MAM (Museu de Arte Moderna) do Rio de Janeiro. É um ato coletivo de rebeldia que reuniu nomes de peso da música brasileira e outros que ainda estavam despontando naquele momento para o grande público como Raul Seixas, Luiz Melodia e Gonzaguinha.
O show/manifesto teve Jards Macalé e o artista plástico Xico Chaves como idealizadores que dirigiram o evento com apoio da ONU (Organização das Nações Unidas) e foi abraçado por uma série de artistas: Chico Buarque de Hollanda e o MPB4, Paulinho da Viola, Edu Lobo, Danilo Caymmi, Milton Nascimento, Toninho Horta, Jorge Mautner e Gal Costa cantaram músicas de protesto intercaladas com a leitura dos artigos da Declaração Universal.
A apresentação teve a presença de cinco mil pessoas, jovens na maioria, e foi acompanhada de perto por agentes da ditadura que tentaram impedir a gravação do espetáculo cercando o MAM com o objetivo de intimidar o público.
O disco foi censurado no ano seguinte pela ditadura e só foi lançado no mercado em 1979, já sob as rachaduras do regime.
As cortinas se abrem com as palavras de Ivan Junqueira:
“O futuro desse documento pertence a vocês, jovens.
Em comum acordo com os músicos do espetáculo,
e eu creio com todos vocês,
eles me autorizaram a ler alguns artigos dessa declaração
para que ela seja oficialmente apresentada
a essa juventude brasileira.
Artigo primeiro: todos os homens nascem livres
e iguais em dignidades e direitos.
(aplausos) São dotados de razão e consciência
e devem agir em relação uns aos outros
com espírito de fraternidade.”
Spotify: https://open.spotify.com/album/70ecbUaKhPKDI6t6gSja3
The Wall. Pink Floyd (1979)
A ópera rock mais famosa de todos os tempos conta a história do personagem Pink, inspirado na própria biografia do vocalista Roger Waters. A partir de um drama pessoal – a morte do pai na segunda guerra mundial – e os impactos dessa ausência, a jornada musical mistura conflitos e perturbações individuais com os fantasmas sociais do totalitarismo e das estruturas hierárquicas e sombrias da escola e da família.
Apesar de abordar temas muito presentes nos anos 60 e 70, The Wall segue atual, infelizmente. O destino natural foi em 1982 o disco virar filme, causando grande impacto pela sua opção estética de fundir animação, música, teatro e drama.
Seu espírito antifascista ainda incomoda governantes e grupos autoritários pelo mundo. Também desse álbum saiu um dos refrões mais cantados por jovens de todos os lugares, como sinal de protesto e desobediência.
“We don’t need no education / não precisamos de nenhuma educação
We don’t need no thought control / não precisamos de nenhuma lavagem cerebral
No dark sarcasm in the classroom / nenhum sarcasmo sombrio na sala de aula
Teacher, leave them kids alone / Professores, deixem as crianças em paz
Hey! Teacher! Leave them kids alone! / Ei! Professor! Deixe as crianças em paz!”
Spotify: https://open.spotify.com/album/5Dbax7G8SWrP9xyzkOvy2F
Morte e Vida Severina. Chico Buarque (1966)
A consagrada obra do escritor pernambucano João Cabral de Melo Neto, poema que narra a história do retirante Severino, é um primoroso retrato do duro período da história nacional que marcou o destino de milhões de brasileiros e brasileiras com seca, fome, miséria e migração forçada. Ganhou versões diversas para teatro, cinema, TV e claro também virou vinil sob a direção de Chico Buarque de Hollanda para a peça apresentada em 1965 no teatro da PUC de São Paulo, montada pelo diretor Roberto Freire.
Fala do Mestre carpina:
“ – Severino, retirante, deixe agora que lhe diga:
Eu não sei bem a resposta da pergunta que fazia,
se não vale mais saltar fora da ponte e da vida.
Nem conheço essa resposta, se quer mesmo que lhe diga,
é difícil defender, só com palavras, a vida,
ainda mais quando ela é esta que vê, Severina.
Mas se responder não pude à pergunta que fazia,
ela, a vida, a respondeu com sua presença viva.
E não há melhor resposta que o espetáculo da vida:
vê-la desfiar seu fio, que também se chama vida,
ver a fábrica que ela mesma, teimosamente, se fabrica,
vê-la brotar como há pouco em nova vida explodida,
mesmo quando é assim pequena a explosão, como a ocorrida.
Como a de há pouco, franzina.
Mesmo quando é a explosão de uma vida Severina.”
Spotify:
https://open.spotify.com/track/0BqrxdNuiFLTXRJ4br1EOh?si=f9fd4ac1efe94dd5 https://open.spotify.com/track/5K0Es097bseAqCBXpwcPxO?si=f3ee35f59a19499
História das Escolas de Samba. Portela (1975)
Discos Marcus Pereira é um dos mais importantes selos da música brasileira e tem no seu catálogo álbuns com preciosidades da música regional e popular do século XX. Apesar do curto período de vida, a gravadora prestou um trabalho essencial para preservação da memória nacional.
Uma de suas coleções trazia as histórias de algumas escolas de samba do Rio de Janeiro.
Selecionamos o álbum que com a trajetória da Portela. A contracapa é escrita pelo jornalista e pesquisador Sérgio Cabral e tem a seguinte descrição do disco:
“Uma história da Portela através dos seus sambas – e de alguns dos seus mais importantes sambistas – eis ao que se propõe esse disco. Quem se der ao trabalho de pesquisar a vida dessa escola de samba esbarrará sempre com nomes como os de Alvaiade, Alcides, Rufino, Santana, Monarco, Paulo da Portela, presentes neste LP pela voz ou pelos sambas – ou por ambas as coisas. Muitos deles cantam em seus sambas as glórias da Portela. E com toda a razão. Afinal, a Portela é a escola que mais títulos conquistou desde o momento em que as escolas desceram a Praça Onze, disputando o primeiro lugar. …de 1941 a 1947 a Portela conquistou sete campeonatos consecutivos. Daí a razão pela qual um dos sambas da escola diz num dos seus versos que ‘vitória para Portela é banalidade’.”
Quinteto Rebelde. Quinteto Rebelde (1958)
A Rádio Rebelde foi a emissora clandestina usada pelos guerrilheiros cubanos na Sierra Maestra. Durante os anos de combate para derrubar a ditadura de Fulgêncio Batista, transmitia propaganda política e comunicados oficiais do Movimento Revolucionário 26 de Julho, e também tinha um conjunto sonoro: o Quinteto Rebelde. Seu papel era animar com música as ondas sonoras da guerrilha. Detalhe: em plena troca de tiros com o exército ditador, os músicos cantavam animadamente para desolação dos inimigos e elevação moral da tropa revolucionária. Suas músicas forjadas em pleno combate na selva são registros vivos da ousadia e criatividade da revolução cubana. É também documento sonoro de um marcante capítulo da América Latina.
“Procura re’petar al Che Guevara.
Evítate un problema con Fidel.
Las cosa’ de Raúl hay que pensarla’,
lo’ rebelde’ son difícil de coger.
Procura no encontrarte con Almeida,
con Camilo, y con Guillermo y otros más.
Hay que verle’ la’ cara’ a lo’ soldado
cuando lo’ rebelde’ le hacen una embo’cá’.
Ahora Batista e’ presidente
y má’ tarde Ca’devilla e’ general.
El que vote en l’eleccione’ de Batista
lo’ frijole’ má’ tarde ha de guisar.”
Spotify: https://open.spotify.com/album/7E3HybX6dMn9I6z7SoNyE7
Bônus: Os Saltimbancos. Chico Buarque (1977)
Seria impossível deixar de fora um disco que faz parte da memória coletiva das crianças de diversas gerações. O conto narra a saga dos animais que fogem dos maus tratos de seus donos e vão enfrentar a vida e a cidade grande por conta própria.
Sob a direção de Chico Buarque reúne Miúcha, Nara Leão, Magro e Ruy em uma das mais marcantes peças do nosso imaginário. Composto e arranjado pelo compositor argentino, naturalizado italiano Luis Enríquez Bacalov, foi adaptado pelo próprio Chico.
A peça é inspirada no conto “Os Músicos de Bremen“, dos irmãos Grimm.
“Au, au, au. Hi-ho hi-ho. Miau, miau, miau. Cocorocó.
O animal é tão bacana, mas também não é nenhum banana.
Au, au, au. Hi-ho hi-ho. Miau, miau, miau. Cocorocó.
Quando a porca torce o rabo, pode ser o diabo
E ora vejam só. Au, au, au. Cocorocó.
Era uma vez (E é ainda) certo país (E é ainda)
Onde os animais eram tratados como bestas
(São ainda, são ainda)
Tinha um barão (Tem ainda) Espertalhão (Tem ainda)
Nunca trabalhava e então achava a vida linda
(E acha ainda, e acha ainda)”
Spotify: https://open.spotify.com/album/3O3Mt0oP2r6tpVKq9UXpro
Gostou? Conhece algum outro álbum que também nos conta uma história?
Aguardamos indicações nos comentários.
Linha 8
Redes Sociais:
Instagram: @portallinha8
Twitter: @portallinha8
Facebook: https://www.facebook.com/portallinha8