Pandemia da desigualdade: 10 super ricos ficaram mais ricos, 99% da humanidade ficou mais pobre

Publicado originalmente em estrategia.la | Tradução de Victor Farinelli

Em dois anos, mais de 160 milhões de pessoas em todo o mundo foram empurradas para a linha da pobreza, passando a ganhar menos de 5,5 dólares por dia. As mulheres são as que mais perderam, e, claro, as pessoas que vivem nos países em desenvolvimento.

Mais de 100 países tiveram que cortar gastos sociais durante a pandemia, situação que será agravada quando muitos deles forem obrigados a pagar empréstimos ao FMI (Fundo Monetário Internacional) ou outros organismos internacionais.

Esses são números humilhantes fornecidos pelo relatório anual da Oxfam: a cada 26 horas, um novo bilionário surge no mundo, enquanto as desigualdades contribuem para a morte de 21 mil pessoas por dia (pelo menos uma pessoa a cada quatro segundos) devido à falta de acesso a serviços de saúde, secas, inundações, violência de gênero, fome e crise climática.

“Se os dez homens mais ricos do mundo perdessem 99,999% de sua riqueza amanhã, ainda seriam mais ricos do que 99% da população mundial”, explicou Gabriela Bucher, diretora executiva da Oxfam International. “Atualmente, eles acumulam seis vezes mais riqueza do que as 3,1 bilhões de pessoas que vivem na pobreza”.

De acordo com a Forbes, em 30 de novembro de 2021, a riqueza dos dez homens mais ricos do mundo (Elon Musk, Jeff Bezos, Bernard Arnault, Bill Gates, Larry Ellison, Larry Page, Sergey Brin, Mark Zuckerberg, Steve Ballmer e Warren Buffett) aumentou em 821 bilhões, em comparação com março de 2020.

“Nunca foi tão importante acabar com as desigualdades violentas e obscenas, diminuindo o poder e a extrema riqueza das elites, inclusive por meio de medidas fiscais, para reintegrar esse dinheiro à economia real e salvar vidas”, disse a pesquisadora.

Desde o início da pandemia, os bilionários aumentaram suas fortunas em cinco trilhões de dólares, mais do que nos últimos 14 anos. Este é o maior aumento na riqueza dos bilionários desde o início dos registros.

Um imposto excepcional de 99% sobre a renda extraordinária que os dez homens mais ricos auferiram durante a pandemia poderia ser usado, por exemplo, para produzir vacinas suficientes para o mundo; financiar serviços universais de saúde e proteção social, e também medidas de adaptação às mudanças climáticas e para reduzir a violência de gênero em mais de 80 países. E, ainda assim, esses homens continuariam tendo 8 bilhões de dólares a mais do que antes da pandemia – que, para eles, tem sido um luxo.

A Oxfam lembra que os bancos centrais injetaram bilhões de dólares nos mercados financeiros para salvar a economia, mas boa parte desses recursos foi parar nos bolsos dos bilionários, que se aproveitaram do boom das bolsas.

“Embora as vacinas fossem destinadas a acabar com a pandemia, os governos dos países ricos permitiram que bilionários e monopólios farmacêuticos bloqueassem o acesso a elas para bilhões de pessoas. Isso poderia resultar em um aumento em todas as formas concebíveis de desigualdade. A previsibilidade dessa situação é escandalosa, e suas consequências são letais”, acrescentou Bucher.

Desigualdade e violência, de gênero e de raça

As desigualdades extremas são uma forma de violência econômica em que as decisões legislativas e políticas que perpetuam a riqueza e o poder de uma elite privilegiada prejudicam diretamente a grande maioria da população mundial e o nosso planeta.

“A resposta do mundo à pandemia desencadeou essa violência econômica, especialmente contra mulheres e meninas, pessoas em situação de exclusão e pertencentes a grupos racializados. Cada nova onda de covid-19 leva a um aumento da violência. aumenta a quantidade de trabalhos de cuidado não remunerados, que recaem sempre sobre as mulheres e meninas”, retrata Gabriela Bucher.

O relatório afirma que a pandemia atrasou o caminho para a igualdade de gênero: se prevê que a brecha trabalhista entre homens e mulheres tardará 135 anos em ser fechada, mais que os 99 anos estimados em cálculos anteriores. Em 2020, as mulheres perderam 800 bilhões de dólares em renda e há 13 milhões a menos de mulheres trabalhando agora do que em 2019. Ao todo, 252 homens têm mais riqueza do que 1 bilhão de mulheres e meninas que vivem na África, na América Latina e no Caribe.

A pandemia afeta especialmente grupos raciais. No Reino Unido, durante a segunda onda da pandemia, os imigrantes de Bangladesh e seus descendentes tiveram cinco vezes mais chances de morrer de covid-19 do que a população branca britânica. No Brasil, os negros têm 1,5 vezes mais chances de morrer do que a população branca.

Nos Estados Unidos, 3,4 milhões de negros estariam vivos hoje se tivessem a mesma expectativa de vida da população branca do país, o que está diretamente ligado ao legado histórico do racismo e do colonialismo.

O quadro fica mais sombrio ao se considerar que as desigualdades entre os países crescerão pela primeira vez em uma geração. Os países em desenvolvimento, privados de acesso a vacinas suficientes – por causa da proteção concedida pelos governos ricos aos monopólios das grandes empresas farmacêuticas –, tiveram que cortar gastos sociais à medida que seus níveis de dívida aumentavam.

Agora, eles enfrentam a possibilidade de ter que tomar medidas de austeridade. A proporção de pessoas com covid-19 que morrem nos países em desenvolvimento é cerca de duas vezes maior do que nos países ricos.

“A pandemia de covid-19 trouxe à tona a ganância e as oportunidades econômicas e políticas que transformaram essas desigualdades extremas em um instrumento de violência econômica”, disse Bucher.

Os países ricos amparam os bilionários

Apesar do enorme custo econômico de ter que enfrentar a pandemia, nos últimos dois anos, os governos dos países ricos se recusaram a aumentar os impostos sobre a riqueza dos mais ricos e continuaram privatizando bens e serviços públicos, como a tecnologia necessária para produzir vacinas.

Eles promoveram os monopólios das grandes empresas de tal forma que, apenas durante a pandemia, o aumento da concentração de mercado ameaça ser maior em um ano do que foi nos 15 anos entre 2000 e 2015.

A desigualdade é um aspecto fundamental da crise climática, já que as emissões de carbono do 1% mais rico do planeta mais que dobram as da metade mais pobre da humanidade. Isso contribuiu para as mudanças climáticas ao longo de 2020 e 2021, causando incêndios florestais, inundações, tornados, perda de colheitas e fome.

“O aumento da desigualdade nessa escala e ritmo não é resultado do acaso, mas sim de uma escolha. Pessoas poderosas estão explorando essa crise para seu próprio benefício”, disse Bucher.

O relatório destaca a importância de as duas maiores economias do mundo (Estados Unidos e China) começarem a buscar políticas para reduzir a desigualdade, incluindo a aplicação de alíquotas mais altas aos ricos e medidas para acabar com os monopólios.

Por fim, a Oxfam recomenda que os governos recuperem os lucros que os bilionários acumularam, aplicando impostos permanentes sobre capital e riqueza, para tributar a enorme riqueza acumulada desde o início da pandemia e investir trilhões de dólares em serviços universais de saúde, proteção social, adaptação às mudanças climáticas e prevenção da violência de gênero e programas relacionados.

Também recomenda que abordem as leis racistas e sexistas que discriminam as mulheres e grupos raciais, que criem nova legislação baseada na igualdade de gênero, para acabar com todas as formas de violência e discriminação. Todos os setores da sociedade precisam urgentemente definir políticas que assegurem que as mulheres, as pessoas racializadas e outros grupos oprimidos estejam representados em todos os espaços de tomada de decisão.

A Oxfam pede a revogação das leis que prejudicam os direitos dos trabalhadores de se organizar e fazer greve, e a aplicação de regras legais mais fortes para garantir sua proteção. Também observa que os governos dos países mais ricos devem suspender imediatamente as regras de propriedade intelectual que regem a produção de vacinas, para que mais países tenham acesso garantido aos produtos, e assim acabar com a pandemia.

Por sua vez, Bucher disse que “não há escassez de dinheiro, isso ficou claro quando os governos mobilizaram 16 trilhões de dólares para enfrentar a pandemia. O que falta é vontade e imaginação para nos libertar do espartilho sufocante e letal do neoliberalismo extremo. Os governos devem ouvir os movimentos sociais, como as greves estudantis climáticas, o Black Lives Matter, as feministas do #NiUnaMenos e agricultores indianos que protestam por justiça e igualdade”.

Veja matéria completa em:www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/Pandemia-da-desigualdade-10-super-ricos-ficaram-mais-ricos-99-da-humanidade-ficou-mais-pobre/4/52518

 

Isabella Arria é jornalista chilena residente na Europa e analista associada ao Centro Latino-Americano de Análise Estratégica (CLAE)

 

 

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