Pensador Clóvis Moura desmonta mitos da democracia racial no Brasil

Editora Dandara relança o livro “O Negro: de bom escravo a mau cidadão?”, uma análise da passagem do trabalho escravo para o trabalho livre em que o autor ajuda a entender a construção do racismo estrutural no Brasil.

Texto: Redação, Linha8

A Editora Dandara acaba de nos presentear com o livro “O Negro: de bom escravo a mau cidadão?” de autoria do pensador negro brasileiro Clóvis Moura (1925 – 2003). O relançamento da obra, publicada originalmente em 1977, é parte do trabalho de resgate de títulos essenciais para a compreensão da nossa história e que confrontem velhos mitos e visões que se consolidaram ao longo do tempo como a democracia racial, a passividade negra e dos pobres, ou ainda o tema das relações entre capitalismo e escravidão.        

O título provocativo em formato de pergunta já nos deixa pistas sobre a intenção da publicação de questionar pilares antes intocáveis. Os textos são uma continuidade dos estudos do autor, que após estudar a resistência negra durante a escravidão, do o período colonial passando pela independência, agora se dedica a compreender como o período republicano vai erguer sólidas barreiras que impedem a incorporação plena dos povos negros na sociedade brasileira.   

Nascido no interior do Piauí, Clóvis Steiger de Assis Moura tem vasta produção que desconhece fronteiras, obrigando assim os que vão apresentá-lo a fazerem longas descrições: foi sociólogo, historiador, jornalista, escritor, poeta, intelectual orgânico, marxista, militante negro e comunista. Colaborou com o Movimento Negro Unificado (MNU), o Movimento dos Sem Terra (MST) e seu extenso trabalho acadêmica percorreu o mundo. Produziu durante toda a vida apesar das dificuldades impostas, ora pela originalidade de suas ideias que incomodavam até  os mais próximos ou ainda pela situação política do país, como durante o regime militar.     

Nascido no interior do Piauí, Clóvis Steiger de Assis Moura (1925-2003) tem vasta produção. Foi sociólogo, historiador, jornalista, escritor, poeta, intelectual orgânico, marxista, militante negro e comunista. Colaborou com o Movimento Negro Unificado (MNU) e o Movimento dos Sem Terra (MST).
Foto: Arquivo pessoal.

Moura está entre aqueles que trouxeram contribuições de fôlego para a sociologia e a historiografia mostrando os limites das visões tradicionais e predominantes, incluso as vertentes críticas, ao não aceitar padrões exportados e pré-montados, se lançando de forma rigorosa e dedicada ao estudo da história do negro brasileiro e suas variadas manifestações de resistência, entre elas o conceito que cunhou de “quilombagem”, fundamental para estabelecer um novo olhar sobre as formas de organização e de luta dos escravos e dos povos negros no país.

Segundo Joselicio Junior, diretor editorial da Dandara, responsável pela publicação, “Clóvis Moura é um dos grandes intelectuais que pensou o Brasil a partir do marxismo, colocando negras e negros na centralidade da dinâmica da luta de classes. Neste sentido reeditar 44 anos depois essa obra, com toda repercussão e mobilização que gerou, é um feito histórico que nos alegra muito.”

Publicada originalmente em 1977, a Editora Dandara relança o livro “O Negro: de bom escravo a mau cidadão?” e outras obras do autor.
Foto: Divulgação

Em “O Negro: de bom escravo a mau cidadão” temos detalhadas demonstrações, que alternam dados estatísticos e exemplos cotidianos concretos que não deixam margem para dúvidas sobre “a série de barragens institucionalizadas ou indiretas que foram impostas aos negros pelas estruturas de poder e classes interessadas na sua exploração, desde a abolição.” Nesse sentido, é uma obra fundamental que ampara conceitos mais disseminados nos dias atuais como o “Racismo Estrutural”, pois evidenciam que o projeto de desenvolvimento do Brasil tinha na exclusão do negro e no racismo decorrente disso, uma ação consciente do Estado e das elites econômicas e culturais, ainda que nem sempre isso ocorra de forma declarada.

A colonizada obsessão das classes dirigentes brasileiras em transformar os centros urbanos e seu modo de vida em meras cópias dos correspondentes europeus desde o XIX e seguindo ao longo do século XX cobrou um preço caro ao país e particularmente a população pobre e negra. Esse imensurável custo é materializado no livro de Clóvis Moura de forma irretocável.

Ao citar a diminuição do valor da produção literária e intelectual negra pela sociedade branca ele afirma que primeiro tenta-se ignorar, depois marginalizar e por último desqualificar sua forma e conteúdo por não obedecerem padrões dominantes. Ou seja, os parâmetros estabelecidos pelos brancos que falsificaram a ideia do escravo passivo e obediente do passado e que no pós-abolição tentam a todo custo impedir que se questione o lugar que foi reservado aos negros e negras do presente e aqui estão os maus cidadãos que renegam essa condição.

Não bastassem a exclusão econômica e o uso do aparato das forças de segurança para exercer controle e violência, também é necessário recorrer a depreciação simbólica do pensamento negro. Isso posto, as contribuições de Clóvis Moura adquirem força e significado sendo ao mesmo tempo peças de resistência, de grande valor literário e acadêmico.

Não por acaso, quem estuda suas obras o coloca entre um dos grandes intérpretes do Brasil, pois ele revela com riqueza de detalhes os mecanismos que sustentam o “racismo estrutural” e constituem a paisagem de desigualdades e injustiças nacionais, tornando impossível desviar das questões que o autor aponta para se chegar a uma compreensão completa dos grandes dilemas da nossa história.

Os escritos que analisam o racismo na periferia do capitalismo também trazem importantes contribuições sobre os processos de emancipações na América Latina com dados e reflexões do autor sobre Cuba, Haiti, Peru, sempre preocupado em compreender a luta e a condição negra na sociedade de classes.

Por tudo isso “O Negro: de bom escravo a mau cidadão?” está na lista das publicações indispensáveis e seu acesso ao público nos deixa otimistas com o esforço que editoras independentes têm realizado para ampliar os estudos de pesquisadores, ativistas e movimentos sociais.

Ficha Técnica
https://dandaraeditora.com.br/
Autor: Clóvis Moura
Editor: Marcio Farias
Prefácio: Gabriel dos Santos Rocha
Posfácio: Cristiane Sabino
Orelha: Dennis de Oliveira
4ªCapa: Cleber Vieira
Edição: 2ª Editora Dandara
Formato: 16 x 23
Ano de Publicação: 2021
Encadernação: Brochura
Ilustração de capa: Marcelo D’Salete
Preço: R$ 62,00.

Linha 8
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