Problemas estruturais ainda nos perseguem. Há avanços, mas a velocidade é insatisfatória. Violência contra pessoas negras é a maior prova de nosso racismo. País ainda carece de pactos e planos mais ousados.
Redação | Linha 8 |
Voltamos a enfrentar o racismo em 2023?
Março de 2018, Marielle Franco é assassinada. Janeiro de 2019, um presidente que tem relações com os suspeitos do crime assume o país.
Mas o mundo dá voltas. 🌎
Em janeiro de 2023 o Ministério da Igualdade Racial foi recriado. O debate público sobre o combate ao racismo se amplia, junto com a agenda governamental. Um detalhe: Anielle Franco, irmã da vereadora Marielle é a Ministra. É um gesto simbólico, mas também um compromisso do governo federal em retomar formulações de políticas públicas nessa área.
Obstáculos
Ainda há muitos obstáculos e alguns números nos lembram disso: pesquisa mostra a ‘dificuldade dos brasileiros em entender como o racismo se manifesta no cotidiano.’
Relatório divulgado pelo Núcleo de Estudos da Violência da USP revela que ‘adolescentes negros são abordados cada vez mais cedo por policiais.’ Dados do IBGE em 2023 reafirmam a marginalização sofrida por negros e negras no mercado de trabalho e também a elevação de violência contra afrodescendentes.
Resistência
Em março a Faculdade de Direito do Largo São Francisco da USP foi obrigada a retirar a homenagem ao racista e eugenista José Amâncio de Carvalho, que dava nome a uma sala. Protestos de alunos, do movimento negro e uma matéria publicada na Ponte Jornalismo precederam a decisão da direção da faculdade.
Na Bahia, alunos iniciaram campanha para retirar uma pintura racista que retrata a Lei Áurea de um saguão da Escola de Belas Artes da UFBA.
Violência Política
A violência política de caráter racista esteve presente nos parlamentos brasileiros em 2023. Casos se repetiram na câmara paulistana, em câmaras municipais no Rio Grande do Sul, no interior paulista e no Estado de Minas gerais.
O deputado Renato Freitas (PT) é vítima recorrente de racismo explícito na Assembleia do Paraná, inclusive enfrentando ameaças de perda de mandato.
A deputada federal indígena, Célia Xakbriabá (PSOL-MG), também denunciou um caso contra ela ocorrido em um restaurante da cidade de Ouro Preto.
Bolsonaristas não abandonaram suas usuais manifestações racistas em Brasília. Com destaques para o senador Magno Malta (PL-ES) e o deputado Gustavo Gayer (PL-GO).
A Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo presenciou violência contra três deputadas negras. Ediane Silva (PSOL) militante do MTST e a primeira trabalhadora doméstica eleita para o parlamento paulista. Thainara Faria (PT) em primeiro mandato na casa enfrentou a discriminação no dia da sua posse e Mônica das Pretas (PSOL), por mais de uma vez teve que se deparar com situações racistas.
Os casos acima selecionados pelo Linha 8 tiveram mais destaque na imprensa. Um levantamento com metodologia para identificar situações de racismo nos parlamentos do país, seguramente apresentaria um número ainda maior.
Punições
Em abril, a Justiça confirmou a condenação de Valter Nagelstein, ex-vereador, por racismo após áudio sobre vereadores negros de Porto Alegre.
A Câmara Municipal de São Paulo, cassou o vereador Camilo Cristófaro. Em decisão inédita, o parlamentar foi 1º vereador de São Paulo a perder o mandato por racismo.
Em novembro a Justiça condenou médico a pagar R$ 300 mil por racismo em Goiás após acorrentar negro e mandar “ficar na senzala”.
Avanços
Em novembro a nova Lei de Cotas foi sancionada pelo presidente da república. Quilombolas foram incluídos como beneficiários. O novo texto diz que a lei será monitorada anualmente e avaliada a cada 10 anos. Pretos, pardos, indígenas, pessoas com deficiência, estudantes de baixa renda e oriundos de escolas públicas também são beneficiados com a política de ação afirmativa.
O movimento negro lutou por décadas pela instituição do dia 20 de novembro como feriado nacional. O dia da consciência negra foi finalmete aprovado pelo congresso nacional e sancionado por Lula. A data é um importante contraponto ao dia 13 de maio, mais uma tentativa de embranquecer, distorcer e elitizar a nossa história.
Ainda que seja insuficiente, a diversidade voltou a ser mais percebida no primeiro e segundo escalões do país. As figuras de Margareth Menezes, Marina Silva, Sônia Guajajara, Luciana Santos, Anielle Franco, Wellington Dias, Rui Costa e demais pessoas autodeclaradas negras e pardas mudam o padrão deixado por governos anteriores.
Ainda no primeiro trimestre o governo determinou, via decreto, a reserva de 30% de cargos de confiança para pessoas negras.
O país também voltou a assistir o pronunciamento oficial em rede nacional de uma ministra negra da pasta de igualdade racial. Anielle Franco fez um balanço sobre os avanços nos primeiros onze meses de gestão.
Em dezembro o Ministério da Igualdade Racial divulgou relatório destacando as mais de 50 ações realizadas no primeiro ano de atuação.
Racismo Policial
Rede de Observatórios da segurança revelou que a cada quatro horas uma pessoa negra foi morta pela polícia em 2022. O dado é parte do estudo “Pele Alvo: bala não erra o negro.”
Em 2023 a polícia brasileira não mudou sua postura violenta e racista. São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia tiveram chacinas, aumento em índices de violência e de letalidade policial.
O governo de Tarcísio de Freitas (Rep) no Estado de São Paulo aumentou a letalidade das polícias. Também se posicionou de forma vergonhosa no caso da chacina do Guarujá e trabalha contra o uso de câmeras pelos policiais. O movimento negro teve pouca companhia nas denúncias aos abusos do Guarujá.
A Bahia vai completar duas décadas governada pelo PT. Além de apresentar números estarrecedores, também se transforma em um problema político. Mortes por intervenções policiais cresceram 365% em 13 anos. Essa política de segurança se choca com o discurso do partido, com diretrizes de direitos humanos e acaba por fortalecer narrativas bolsonaristas. Nos últimos dois anos o Estado carrega o maior número de mortes em decorrência de ações policiais.
A realidade da Bahia só reforça a complexidade da agenda de segurança pública do governo Lula 3. Além dos problemas históricos de um país que não democratizou as forças de segurança moldadas por ditaduras, a esquerda ainda carece de boas experiências e referências de políticas exitosas na agenda de segurança pública.
Voltando a pergunta do título, nos arriscamos a dizer que sim, demos passos importantes em 2023. Porém, ainda são tímidas e incompletas boa parte das conquistas. Os índices sociais, de violência e a vulnerabilidade que atinge parcelas significativas da população negra brasileira seguem alarmantes. Ou seja, muito falta ainda para comemorações mais efusivas.
Um Brasil menos racista em 2024,
são os votos do Linha 8. ✊🏿
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