Por dez anos, de 2014 até 2022, os recursos para prevenções em áreas de risco e apoio aos desastres naturais foram secando. No final de 2022, o governo Bolsonaro deixou reservado no orçamento apenas R$ 25 mil para tragédias e desastres naturais, o que foi alertado pela equipe de transição.
Tão ruim quanto a escassez financeira é a ausência de planejamento estratégico para uma necessidade tão sensível do país. Ou seja, enquanto se multiplicavam os eventos climáticos extremos os recursos eram subtraídos.
A Secretaria Nacional de Periferias foi criada junto com o Ministério das Cidades na reorganização ministerial do Governo Lula. Seu papel é justamente retomar um plano integrado de prevenção, apoio para desastres, reurbanização, saneamento e proteção ambiental. Também era uma demanda histórica dos movimentos urbanos que lutam pela democratização das cidades.
Colocar os territórios periféricos no centro da transformação significa quebrar paradigmas no Brasil, como dar voz à população pobre ou ainda pensar o espaço urbano na sua integralidade. Nas palavras de Secretário Nacional de Periferias Guilherme Simões, “tudo que a cidade não quer ver ela esconde no quarto de despejo. É preciso entrar nesse quarto, organizá-lo e trazê-lo para dentro da casa. Isso significa dizer que favelas e periferias precisam ser tratadas como cidade.”
O Linha 8 entrevistou o Secretário de Periferias para fazer uma avaliação do primeiro ano da pasta.
Guilherme Simões tem 38 anos e clareza das dificuldades: “tenho orgulho de participar desse governo. Para mim é um desafio imenso essa tarefa porque pobre e preto não pode errar nesse país, não temos esse direito que outros privilegiados têm.” Mas também tem consciência que os obstáculos precisam ser enfrentados, pois o assunto tem dimensão estratégica.
Sociólogo, nasceu no Grajaú extremo sul da capital paulista, militante do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) e estudante de universidade pública, Simões não tem dúvidas: “as periferias urbanas são a única possibilidade para as mudanças estruturais e agendas do futuro darem certo. A pauta antirracista; as agendas climáticas; o combate às desigualdades e uma política digna de segurança pública.”
PRIMEIRO ANO
O início foi discreto, mas ao final o primeiro ano a Secretaria Nacional de Periferias conseguiu avançar no diálogo social, na garantia de orçamento e na construção de novos instrumentos participativos, tripé que orienta as ações do novo órgão, com destaque para as seguintes ações:
1) Periferia Viva – O programa reúne as obras nos territórios. Reurbanização, articulação de políticas públicas, monitoramento, prevenção e atuação em áreas de risco. Orçamento previsto de R$ 17 bilhões de reais somados ao longo do mandato, sendo que R$ 12 bilhões já estão garantidos na Secretaria Nacional de Periferias. R$ 6,5 bilhões já foram anunciados esse ano;
2) Caravanas – São visitas aos territórios e compõem o processo de diálogo, divulgação e articulação local. A Secretaria do Ministério da Cidade já se reuniu com 90 territórios em 2023;
3) Prêmio Periferia Viva – O objetivo é valorizar, mapear e apoiar iniciativas territoriais. Inscreveram-se 1.600 ações diferentes desenvolvidas por grupos periféricos. São 58 iniciativas premiadas na primeira edição de 2023.
Em dezembro foi divulgada pela Secretaria a primeira versão do Mapa das Periferias. Será um instrumento vivo e georreferenciado para orientar o governo, como aponta Simões: “É uma plataforma para consolidar dados já existentes sobre territórios mais vulneráveis e ações de coletivos e organizações. Vai ajudar o governo a trabalhar de forma integrada e em diálogo direto com as comunidades ao planejar políticas públicas”
Por fim, o programa Periferia Viva tem no seu raio de atuação as famílias em piores condições de vida e moradia. Isso representa 10 milhões de domicílios ou 36,1 milhões de pessoas. Como parte do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), já estão previstas obras em mais de 120 cidades e envolvem 20 ministérios ao todo.
EXPERIÊNCIA
O MTST é a maior expressão da luta social nas cidades brasileiras dos últimos anos. A pauta da reforma urbana e da democratização das cidades resistiu com o apoio de centenas de ocupações, manifestações e reivindicações por políticas públicas dos últimos anos.
Mais recentemente, algumas lideranças passaram a ocupar cargos nos parlamentos e responsabilidades em espaços executivos. Guilherme Boulos (PSOL), deputado federal mais votado do estado de São Paulo e líder nas pesquisas para a prefeitura da capital, é o mais notório desse processo. Porém, várias lideranças têm surgido por todo o país.
A experiência de quem esteve à frente por muitos do principal pode jogar a favor de Guilherme Simões. O MTST sempre negociou com governos de diversas orientações ideológicas, sempre sendo obrigados a encontrar soluções concretas para as mais variadas demandas das periferias urbanas do país.
EXPECTATIVAS
Após a posse de Lula, houve muitas queixas afirmando que a gestão carecia de inovações, estaria presa na fórmula dos dois primeiros mandatos do petista. Ou seja, com poucas respostas para os desafios mais contemporâneos do século XXI.Algumas iniciativas, porém, podem contrapor essa visão. Além da Secretaria Nacional de Periferias, houve a criação do Ministério dos Povos Indígenas e a retomada das pastas de Direitos Humanos, Igualdade Racial e Mulheres. Marina Silva incorporou como central no Ministério do Meio Ambiente o tema da mudança do clima.
Sonia Guajajara, Silvio Almeida, Anielle Franco, Marina Silva e Guilherme Simões cuidam de áreas com grande potencial para sintonizar o país com as transformações necessárias do nosso tempo. Ao mesmo tempo afastam o governo da atrasada e elitista política conservadora brasileira. Também cabe nessa lista a Ministra da Cultura, Margareth Menezes.
Não por acaso, são todas pessoas negras e indígena e fora do eixo político tradicional. Sem dúvida representam esperança e expectativa, principalmente para o eleitorado progressista que sofreu por quatro anos de governo da extrema direita.
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