Cinema | Lições do último dia de Yitzhak Rabin

Olhar para o passado ainda é a melhor forma de entender as armadilhas do presente para tentar projetar as saídas do futuro.

Jorge Mauricio Klanovicz |

Acabei de assistir ao filme ‘O último dia de Yitzhak Rabin’, dirigido por Amos Gitai, que é uma interessante mistura de documentário e thriller político. A produção é de 2015, mas somente agora chegou a algumas salas de cinema brasileiras. O centro é o assassinato do então primeiro-ministro de Israel, em 1995, por Yigal Amir, um fanático religioso de extrema-direita inconformado com o processo de diálogo à época em curso com os palestinos. Esse processo teve seu ponto alto com os chamados acordos de Oslo e o icônico aperto de mãos entre Rabin e Yasser Arafat.

O filme, todavia, vai muito além do mero relato do dia do crime ou de suas causas imediatas. Trata-se de uma abordagem que ajuda a jogar luz sobre uma série de origens – no sentido que Hannah Arendt empresta ao termo, ou seja, não simples causas, mas antecedentes mais complexos – da tragédia atual no Oriente Médio.

Yitzhak Rabin e Yasser Arafat durante a assinatura dos Acordos de Oslo em 1993

Nesse sentido, uma cena em especial merece menção. Para apurar se houve falhas dos órgãos de segurança no dia do assassinato, uma espécie de comitê de juristas foi constituído. Seus membros têm em geral uma postura típica da burocracia estatal que bem conhecemos: são legalistas e defendem que o comitê se limite estritamente às suas atribuições. Uma assessora do comitê, no entanto, faz um alerta relevante. Segundo ela, não é possível compreender o crime – e os erros que levaram a ele – sem entender o processo histórico em curso desde pelo menos 1967.

Nesse ano, Israel, numa guerra que durou apenas seis dias, derrotou diversos países árabes e ampliou de modo expressivo seus domínios. Essa vitória foi interpretada em termos teológicos por uma parcela da comunidade judaica. Inicialmente restrito a ultraortodoxos fanatizados, tal setor não foi levado a sério ou combatido. Mas com a ascensão da direita ao poder nos anos 1970 – uma novidade para o então jovem país, que desde sua fundação fora governado pelo Partido Trabalhista – essa visão ultraortodoxa, que não reconhece a existência dos palestinos ou os concebe como um povo inferior a ser colonizado, ganha força e estímulo do próprio Estado.

A ocupação de terras palestinas por colonos judeus (figuras cujas mentes são, com sinal invertido, em tudo semelhantes às mentes do Hamas) salta a centenas de milhares ao longo dos anos. Essa política leva a uma escalada da tensão e do ódio, seja entre israelenses e palestinos, seja internamente à sociedade israelense.

Em suma, a própria democracia de Israel – única democracia constitucional do Oriente Médio, como se orgulham os israelenses – resta fragilizada por atos tolerados (e estimulados) pelo Estado. E esse processo de fragilização – iniciado lá em 1967 por um número limitado de extremistas, segundo a sagaz observação da assessora do comitê – hoje segue em pleno curso, sob um governo que, no plano interno, avança sobre a independência do Poder Judiciário e, no plano externo, viola sistematicamente o Direito Internacional Humanitário.

Enfim, das inúmeras lições da morte de Yitzhak Rabin e da tragédia em curso em Gaza, a mais óbvia é: a democracia constitucional não pode ser um pacto suicida. Não se pode menosprezar ou tolerar fanáticos – de qualquer credo – cujo projeto seja abolir a própria democracia e a diversidade humana.

Jorge Mauricio Klanovicz
Procurador da República e mestre em Direito

 

 

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