Tic Tac Tic Tac

Por Daniela Siqueira

O relógio tiquetaqueia 4h15 da madrugada. O som constante ritmado traz algum tipo de conforto pra minha cabeça desgraçada. O ranger da geladeira velha me irrita. Ao menos sinto alguma coisa perto dela. Olho pra noite e não vejo nada. Por que o céu fica laranja nas noites de outono? Deve ser o reflexo das lâmpadas que não iluminam as ruas escuras. Trago o meu cigarro à boca seca… sedenta de algum sei lá o que que me falta. Trago. Tropeço em pensamentos que não são meus. São de quem? Sei lá, penso. O barulho do queimar à boca parece trazer tranquilidade junto com o tabaco, alcatrão e todas as 4700 substâncias tóxicas. Se você continuar fumando desse jeito vai morrer cedo, ele disse outro dia. Dou de ombros. Mal sabe que o conforto do cigarro é justamente pensar que me mata aos poucos, penso enquanto solto a fumaça que tira de mim os tremores de pensar na realidade dos dias. Tentando tranquilizar-me do silêncio e da calmaria gélida da noite, abro a geladeira velha. O que posso beber pra esquecer de mim ou afogar a tormenta que me toma? Água. Dois goles. Ou teria sido três? Tanto faz. Volto à janela e pra noite. Tenho a sensação que esqueci alguma coisa. O que tem de errado? Eu tomei meu remédio hoje? Deve ser só eu. Vagueio pela casa pequena abarrotada de coisas acumuladas durante anos, o que faz com que ela pareça menor ainda do que é, assim eu tenho que me desviar de segundo em segundo de alguma tralha no meio do caminho do curto corredor até minha cama. Não é mais minha. Eu preciso dormir, balbucio. O cobertor não me conforta. Esqueci de apagar a luz do banheiro. Como posso esquecer algo 5 segundos depois? Penso enquanto vagueio pela semiescuridão. Chego ao banheiro na ponta dos pés pra não acordar ninguém. Olho pra mulher do reflexo. Ou seria uma garota? Ela me olha também. O que será que ela vê? O rímel borrado e o batom tom marsala, que ainda restam após uma cara mal lavada, se fundem com a pele avermelhada de choro. Respira. Ela diz. Ou sou eu que digo? Seu olhar vazio cheio de imensidão me transtorna. Não consigo te ler. Eu digo a ela. Não há reação. O “não saber” torna o silêncio da noite ensurdecedor. A ignorância é uma dádiva. Ainda escuto a geladeira velha mesmo a dois cômodos de distância. Propositalmente tiro a vida que escorre da torneira. A pia começa a transbordar. Ou sou eu que transbordo? Enfio a cara na vida pra ver se essa morte de dentro sai. Não sai. De quanto tempo preciso pra vida entrar nos meus pulmões? Penso submersa. A vida me amedronta, não consigo ficar nela. Levanto os olhos que escorrem e olho pra ela. Ela me julga. Termina, ela diz. Foda-se. A toalha envolve meus pensamentos. Preciso dormir. Apago a luz com a esperança de que esse ato diminua a dor de esquecê-la acesa. As pernas dela me levam de volta à cama. Não é mais minha. Afogo-me no travesseiro buscando o conforto que me falta. Ela ainda me sussurra. O barulho da geladeira parece mais alto. O tom do escuro se acostuma aos meus olhos. Me sinto parte da noite, da escuridão. O céu ainda está laranja? Penso. O sono parece chegar cansado. Espero não acordar, penso enquanto ela continua a me torturar.

 

Daniela Siqueira
26 anos, barueriense. Estudante de Letras na USP. Meio atriz, bailarina, metida à escritora e poeta. Um pouco de tudo e muito de nada.
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